Imagens, Comentários e Estórias de Valdanta (Chaves) e das suas gentes. O meu endereço é "pereira.mos@sapo.pt"
Terça-feira, 18 de Setembro de 2007
O Rouxinol da Pipa

 

 

Rodeada de bosques e aconchegadinha em quintais, era uma vez uma Aldeia pequenina, com poucas casas e muitos baldios, cortinhas, quintas, «abertas», vinhas, soutos, bosques e “ribeira”.
A ela se encostava a cidade pelas Casas-dos-Montes e vivia abraçada a Aldeia do Cando.
A linha do comboio bordejava-a em grande extensão e os sonidos da locomotiva assemelhavam-se a suspirados gemidos de tristeza por não poder chegar ao seu seio.
O Sol Nascente apressava-se a beijá-la e a convidar os aldeãos, a canalhada, o gado e a bicharada para uma celebração da vida.
O “CAMPO” era o estádio olímpico da criançada. Se contada pelos dedos das duas mãos, sobrariam ainda algumas falanges e falangetas.
Aí se batiam os recordes mundiais (do nosso mundo) da macaca, das escondidinhas, do salto em comprimento, do rebolar, das corridas de quadrigas de Grilos e saltões, e se dava a partida e a chegada da nossa Volta a Portugal em Bicicleta (só com guiador feito de arame, sem quadro, sem selim, sem rodas, sem travões).
Na eira encostada ao caminho de S. Fra(g)ústo,  faziam-se umas finais do nosso campeonato mundial de futebol. A bola era especial   - feita duns piúcos e de uns carpins enrolados nuns soquetes, tudo cientificamente obtido através de ladinas pesquisas nos laboratórios de costura da prima Jesus ou da ti’Alcina do João Carteiro.
No caminho para o Matadouro, logo a seguir à fronteira do Campo, havia uma «barreira». Era o aldeamento turístico da passarada. Apesar do nosso metro e trinta de altura, o melhor que conseguíamos para ver as chegadas relâmpago e as partidas foguete desses turistas chilreantes era esticarmos o pescoço, arregalar os olhos e gritarmos uns para os outros:- “Olha aquele ali! Leva um saltão!; Outro! Traz uma minhoca!; Ó Júlio, olha, ali é um ninho de Carriça!, Mário, Mário, estão dois passarinhos a espreitar naquele buraco!; Luís, aquele é um cascarrolho!”
E naquele negrilho tão alto como o Castelo de Monforte, parecia, aquele melro trisavô desafiava-nos com os seus assobios de barítono divertido.
Nos palheiros do alto do Campo as Poupas faziam a sua criação. E, atrevidas, aperliquitavam-se nas cancelas ou nas beiras dos telhados a provocarem-nos para lhes descobrirmos os ninhos.
Nos caminhos para o Vale Coelho ou para a Aberta da Ti’Aurora, os silvedos e as heras ajardinavam os muros em pedra. Eram os locais preferidos para os pintassilgos andarem na brincadeira. O Tó e o Tio Quim semeavam por aí umas «esparrelas» e nelas caía passarada à farta.
Gaios, papa-figos, pinta-roxos, verdelhões, tentilhões, chincharravelhos, folecas, alvéolas, andorinhas, piscos e chascos, pardais e rouxinóis tinham, nesses quintais, «cama, mesa e roupa lavada».
Entre o estreito Largo da Capela e o menos estreito Largo do Carvalho havia uma fonte de água fresquinha e saborosa. Estava dois degraus abaixo do caminho.
Enquanto a Tia Augusta preparava a ceia e o Tio Quim metia os bois na corte e pendurava o Jugo e as mulhelhas, o Oswalde(o) da Abobeleira acompanhava a Glória à Pipa onde colhia, durante 15 minutos, um cântaro que só levava um cântaro de água.
À mesma hora, o Tio António Guarda levava os burros para o Palheiro, ao cimo do Campo; a Tia Quinhas, aflita com as raposas, berrava com as galinhas que teimavam em não entrar no galinheiro; e a Elisa descia, tão vaidosa quão bonita, até à Pipa, acompanhada pelo Jurel, do outro lado donde pegava numa cântara de pouco mais de duas canadas, que demorava 16 minutos a ficar cheia.
Fosse Verão, fosse Inverno, as chaminés sempre fumegavam    -  em sinal do ferver dos potes e caldeiros, e em sinal do fervor de corações apaixonados.
Na Fonte da Pipa alguém escreveu, a cinzel, no lintel da mina: “Fonte dos Namorados”.
Aí chegados, o Oswalde(o), mal a Glória punha o pé no primeiro dos dois degraus na descida, avisava: - “Glória, tem cuidado! Vê lá se escorregas!”
E o Jurel, assustado, recomendava à Elisa, mal esta trepava para o primeiro dos dois degraus da subida; “ Elisa, tem cuidado! Vê lá se tropeças!”.
A tia Requeta, com aquela solenidade com que sempre vestiu os seus modos, abria o portão da Capela, puxava a corda e tocava a sineta ao ritmo de Trindades.
No negrilho ou nas carvalhas entufadas e debruçadas sobre a Fonte um Rouxinol residente, príncipe encantador e encantado daquela Aldeia, soltava trinados melodiosos que suavizavam as canseiras do dia, lembravam a hora do amor, faziam esquecer o pecado venial e …… até que, muitas vezes, se comessem as batatas rebidas!......
Nos luares de Agosto, muitos dos poucos aldeãos juntavam-se no “Carvalho” em amena convivência.
Um desses rapazitos, deitado numa fraga ainda quente à causa do sol estival, catrapiscava as estrelas e, para lhes cair em graça, cantava cantigas populares.
De manhã, ao levantar, fazia dueto com o melro do olmo gigante; à tardinha, com o rouxinol da Pipa.
 E o Povo, que gostava de o ouvir cantar, envaidecia-o e chamava-lhe:
 
“O   ROUXINOL   DA   GRANJINHA”!
 
             Pode não haver  lá mais olmos nem negrilhos.
Tampouco poder darem-se pincha-carneiras no CAMPO ou aí  ser-se olímpico.
Mas a GRANJINHA jamais deixará de ser berço e morada de ROUXINÓIS.
Brilhante é o diadema do NOSSO e do VOSSO  actual
 
-“ROUXINOL   DA   PIPA”-!
 
 
Luís da Granjinha
 


publicado por J. Pereira às 19:40
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De Mário Silva a 19 de Setembro de 2007 às 21:09
Li, cheguei ao fim e tive de voltar a ler...
Que delícia de texto!
Descrição de uma prosa poética que não deixa ninguém indiferente.
Parabéns a Luís da Granjinha (?), o autor, e ao J. Pereira por ter partilhado tão belo texto.
Um abraço


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